quinta-feira, 24 de abril de 2008

Só você

Hoje eu queria sair com você
Só com você
Marcar às 9 e chegarmos atrasados
Juntos
Ganhar a sua passagem
Sua preferência
Sentar ao seu lado
Receber suas pipocas
Ouvir seus risos na hora errada
Ver você vendo
Ver você me vendo ver

Ouvir que tens fome
Respeitar suas escolhas
Trocar de mesa três vezes
Esperar a sua demora
A sua indecisão
Ouvir as suas queixas
Lamúrias ao vento
Vindas na fumaça dos cigarros

Hoje não queria
Balada
Birita
Batom
Beijo
Bafo
Basfond

Hoje eu só queria nossa vidinha
Só que do lado de fora da casa
Com uma platéia de desconhecidos à nossa volta

Rir das mesmas coisas
Das mesmas pessoas
Das mesmas roupas

Desejar as mesmas pessoas
Cada qual com o seu raciocínio
Sua cabeça
Sua sentença
Seu perdão

Hoje eu queria inocentemente
levar beliscão
Ser vigiado
Vigiar-te
Beber pouco
Fumar quase nada
Tudo só para fazer fumaça
Quem sabe um fogo brando

E voltar para casa
Só com você

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Pedacinhos de céu

"Filho, estamos aqui. Vamos nos encontrar." Depois de um longo dia de compromissos com a casa, com o trabalho, com o corpo e com a mente, toco a campainha da casa dos meus pais em BH. Entro e vejo meu pai em uma comemoração incomum. Todo alegre, sorrisão e olhos felizes, fazendo um balancinho com o corpo. Lembrei-me das reações que meu cão Figo tinha quando eu chegava em casa. E fiquei assim também: de rabo abanando para a vida. Afinal, nem é todo dia que seres humanos são recebidos pela entidade PAI com reações tipicamente caninas. As funções desses costumam ser outras, de ordem repressiva, corretiva, enfim, castradora. No outro dia, à tarde, na hora do lanche, fui ao supermercado próximo do trabalho, daqueles que têm muitos atrativos para consumidores levarem só o que realmente não precisam. Minha salada de frutas diária estava em falta e fui colher outra fruta na gôndola mais próxima. Vi um pacote, todo embaladinho, lindo, organizado, cheio de pedaços de...cana. Isso, a mesma cana que meu pai descascava com seu afiado canivete e juntava aquele monte de filhotes à sua volta e ia distribuindo aqueles pedacinhos de açúcar a cada um. Aquele caldinho doce era como uma aprovação, um abraço, um sim, um sorriso na chegada, um rabinho abanado. E ninguém saía ali da sua volta, primeiro meus irmãos, mais recentemente, meus sobrinhos. Doces sentimentos que não saem da memória. Sem olhar o preço que pagaria por aquela cana descascada, me lambuzei sem medo me lembrando dos olhinhos sorridentes do meu pai ao me ver adentrar o seu lar.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A cobrinha é pequena, mas funciona.

Uma cliente pediu que incluíssemos em seu plano de mídia aqueles postais que ficam em cafés, cinemas, restaurantes e outros lugares bacaninhas.

Eu, metido a entender onde as coisas devem estar, em tal hora e tal, estudei a lista e fiz as escolhas.

Trabalho feito, ela liga após uma noite de jantar fora.

"Por que vocês não colocaram no Porcão?" Ela disse.

Olha, eu acho que este restaurante não consta na lista de locais desta empresa que contratamos.

(Não sou daqueles que faz as coisas "só" para os amigos verem. Se tivesse Porcão na lista, certamente incluiria.)

Saul, me manda a lista por e-mail. Vamos conferir.

Na parte de bares e restaurantes, li a palavra: Porção.

Imediatamente me veio o que senti no momento em que li este item.

"Gente, que nome engraçado deste bar: porção. Deve ser estes botecos de comida mineira...enfim, não conheço."

Cortado da lista.

É, a cobrinha é pequena, mas pode mudar tudo.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Enfrentar causa tanto medo

Veio à minha cabeça e eu tentei afugentar, mas uma de nossas leitoras assíduas citou nos comments do post anterior a falta que sente do irmão perdido ao me ver falar da minha relação com o meu irmão Roger (leia Rogê, é em francês). Dentro dos momentos importantes em que ele estava comigo, tem um fato que esteve o tempo todo em minha cabeça enquanto escrevia e que não revelei ou que editei, como se fosse possível apagar da memória cenas fundamentais, que mudam os rumos da vida.

Nós dois estávamos no alpendre da casa branca da fazenda. Eu com 8 anos, ele com 11. No chão, brincando ou disputando um jogo que, anos depois descobri que tinha outro nome, mas dentro do nosso código se chamava pedrinha. Um funcionário da fazenda que cuidava de entregar o leite, de cuidar do gado e que vivia na casa da minha avó, se aproximou e soltou a seguinte pergunta:

Que horas é o enterro do Zé?

Eram 11 da manhã. Eu olhei no fundo dos olhos do meu parceiro de disputas olímpicas rurais e não precisei de nenhuma confirmação verbal.

Devo ter imaginado, em minha mente infantil, como aquela noite havia sido de terror para toda a minha família. Para os meus pais, meus irmãos mais “adultos” e pessoas mais próximas.

Meu irmão mais velho, de 24 anos, casado há recentíssimos 2 meses, havia morrido em um acidente de carro.

Em seguida, voltei o olhar para o meu parceiro de jogo e apenas perguntei: agora é a vez de quem?

A partir daquele momento minha família nunca mais seria a mesma.

Talvez nem eu.


Hoje foi domingo de chuva contínua, mas não muito forte. Fomos, eu e meu irmão, almoçar na casa dos meus pais. Na rodovia, vi uma cena que encantou o meu olhar. Debaixo da chuva, estava todo um time (deve ser de futebol, não importa), com uniforme branco e vermelho, correndo, brincando, em direção à cidade. E o que importa se estavam todos molhados? Importa muito: às vezes é a tempestade que faz a cena ficar inesquecível.