terça-feira, 26 de agosto de 2008

A dor e a delícia

Sei que o assunto olimpíada tomou conta de 15 dias do nosso recente e precioso tempo, mas seria injusto comigo mesmo não fazer alguma menção ao ouro olímpico da seleção feminina de vôlei. Acompanho esta modalidade desde que me entendo por gente, presto toda a atenção, gosto, sei de tudo sobre e...não perco um jogo por nada. Um bom jogo, nem se fala. Uma olimpíada sempre foi sagrada. As meninas do Brasil começaram neste evento em 80, devido ao boicote dos EUA, o Brasil foi como time convidado. É, a vaga sulamericana era do Peru, antiga potência da modalidade e de quem o Brasil levava uma surra atrás da outra. A colocação foi um modesto oitavo lugar, que só foi melhorar mesmo em 92, com uma quarta colocação. Aí já era aquela geração comandada pela Ana Moser e outras Anas. Quando cursava a sétima série e já era um jogador de vôlei em formação, cheguei na escola e uma colega perguntou: você viu o vôlei ontem? O Brasil ganhava dos EUA de 2x0 e acabou perdendo de 3x2. Era Isabel chorando para cá, Vera Mossa para lá. Triste a cena de 1984, em Los Angeles. Aí a última moça citada encanta os americanos, recebe homenagem formal: um fair play que mais queria dizer "ela é bela", inaugurando a expressão musas do vôlei. Com uma vestimenta genial entre biquíni e short, elas desfilavam suas pernas grossas e bundas firmes, tudo em corpos gigantes e ágeis. Aquele uniforme era realmente genial. Tão genial que era o oficial das meninas do colégio em que estudava. Elas faziam educação física assim. E ainda, em sua inocência ou não, davam uma canja desfilando pelos corredores. Mas, continuando, muito choro rolou. E rolou a ponto de chegar ao fatídico 24 para o Brasil x 19 para a Rússia, em que o time das gigantes de lá venceram o jogo e ficaram com a vaga na final olímpica de 2004. Outra magrela, de 20 anos então, errou o último ponto no ataque. As pessoas se esqueceram que ela havia acertado outros 37 no jogo. Algo impressionante, que não se vê. Ainda mais com aquela idade e há poucos jogos na seleção. Pronto: foi desta injustiça, não do destino, porque hoje vemos que aquele time não merecia chegar á final. Mas do terrível vício que temos de apontar um culpado para aliviar a nossa própria dor. Criamos uma fera! Mari fez uma cirurgia no ombro, voltou aos treinos, foi jogar na Itália e ser campeã naquele país. Trocou de posição, aprendeu a fazer tudo no vôlei, inclusive o que não tinha a menor aptidão.(Você se imagina fazendo o que realmente não sabe? Eu não.) E nosso time ficou completo, furioso por vencer, concentrado, unido, sem estrelas e com um amor evidente entre as peças. Uma derrota trágica mudou a história. E como doeu: doeu em mim, contei os dias para o troco. Abaixei a cabeça diante da minha paixão. Ouvi todas as bobagens possíveis: sempre acreditando no momento da forra. Se eu sentia isso imagina a própria Mari?
Sentindo o momento da equipe, antes da olimpíada, pensei em um símbolo para que elas comemorassem o título iminente. Será que dou um jeito de enviar minha idéia para a Mari? Bobagem, vai dar azar. Depois perde...O jogo acabou, a bola caiu, o 24 virou 25. E minha musa passa pela câmera, leva o dedo indicador na boca, faz um biquinho, pede silêncio (exatamente o símbolo que havia imaginado). É o ouro. É o primeiro. Silêncio! Cala a boca. E aplauda. É um. És única. E obrigado por ter errado aquela bola, foi a sua dor que nos faz explodir agora de tanta alegria.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Já outro lado pensa assim:

Incrível como é gostoso passar horas e horas em frente à tv vendo as competições de uma olimpíada.

As horas passam leves, vem uma mistura de fortes emoções com indiferença.

Intervalos de vida. Dá até para dormir um pouco e depois acordar muito. Ficar acesso com uma decisão, um momento raro, único, de ouro.

Ai que bom é ver o seu time ganhar. Que ruim é o oposto.

A cara da vida isso.

Um bronze não vale nada? Um 5º lugar já vale. Às vezes até um 16º: depende muito.

Estar ali já vale. Ver já vale. Torcer.

Aquele povo fazendo um esforço danado e você lá: deitado, rindo sozinho ou com amigos.

Bebendo ou de cara. Atento ou disperso.

Isso també é poder.

E a variedade? Joga-se aqui, lança-se ali, nada aqui e ali. Tudo de uma vez.

5 modalidades na tela. Comentário certo e errado. Choro de alegria e de tristeza.

Engraçado que a imperfeição aí não vale nada. Os heróis são super. Até que chega uma hora que eles perdem, ou machucam, ou envelhecem.

Os heróis são super-humanos. Mas ali eles disfarçam bem.

E os disfarces são lindos: no design, no material, nos corpos que os vestem.

Os cenários são lindos: cubos, ninhos, nomes que ficam, inspiram.

Adoro vê-los nas cidades que visito. É algo imperdível para mim.

Adoro as cidades olímpicas. Elas têm um bênção especial.

Viu Barcelona o que virou depois de 92?

E aquele estádio em Berlim na última estação de uma linha do metrô? É longe, mas não deixo de ir.

Que lindo aquila arquitetura romana, que história, que triste a guerra, mas ela existiu.

Está contada ali também.

O estádio olímpico de Montreal é moderno, atual. E fiscou pronto em 72!

Quero ver mais cidades olímpicas. Quero ver o homem glorioso, construindo seu mundo.

Implantando a sua estética, avançando em tecnologia.

Não! Não quero ver a fumaça escondendo a festa.

Não é hora. É hora de brilho, de luta boa, de deitar no sofá e passar a noite acordado sem perder um lance.

É hora de fazer as contas de quantas olimpíadas você viu com os mesmos amigos fanáticos.

É a hora de curtir. E essa hora é importantíssima!

Não é só isso, claro. Eu sei. Todo mundo sabe.

E depois a gente pensa em todos os problemas.

São só 2 semanas: passa rápido.

Como um gozo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Um dos meus lados pensa assim:

Já que o assunto é este, amei este artigo.

MARCELO COELHO

Olimpíada sinistra

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A realidade é escondida à força, cria-se um mundo de fantasia cheio de slogans e sorrisos
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BOICOTAR OS Jogos Olímpicos de Pequim era, sem dúvida, uma alternativa irrealista para qualquer governo deste planeta.
Tudo bem, nenhum país boicotou.
Boicoto eu, então, e motivos não me faltam.
Não me estendo sobre os mais imediatos, como os repetidos casos de perseguição a oponentes políticos e os atentados à liberdade de informação.
De resto, o que se escreve sobre esse tipo de coisa tende a submergir no oba-oba esportivo. Mesmo entre os que são simpáticos ao problema dos direitos humanos no mundo, a força da TV e da propaganda faz surgir um raciocínio perverso: "Até sei do que acontece na China, mas no momento não quero saber e vou fazer de conta que não sei".
Melhor, talvez, começar não com o que as autoridades chinesas querem censurar, e sim com o que mostram de positivo. Antes de mais nada, achei detestável a arquitetura que o evento produziu. Aquele tal ninho mumificado que criaram para servir de estádio me parece um acinte ao próprio ideal clássico de equilíbrio que, em teoria, tinha de inspirar uma Olimpíada.
Criou-se uma bagunça de bandagens metálicas, com 36 km de talas de aço, misto de camisa-de-força e macarrão de pacotinho, como a figurar um monte de amarras impostas sobre alguma força interna que poderia se expandir se deixassem. O escritório suíço autor do projeto, Herzog e De Meuron, fora responsável por aquele ridículo pneu branco gigante que responde pelo nome de Allianz Arena de Munique.
Agora, parece lançar sobre Pequim o resultado dos lazeres de uma enfermeira ou de um ortopedista aposentado, que se deu mal na tentativa de reproduzir o tal pneu perfeito com os restos do esparadrapo e gesso de sua última operação.
O famoso "Cubo de Água", que nem é cubo, talvez impressione ao vivo; nas fotos, tem forte semelhança com aqueles shoppings de artigos contrabandeados que abrem e fecham todo o tempo aqui em SP.
Por falar em água, nada me trouxe tanto mal-estar quanto a foto, amplamente reproduzida, de um verdadeiro batalhão de policiais chineses, impecavelmente uniformizados, catando as algas que infestavam o lugar onde se realizarão as provas de iatismo.
O empenho dos guardas em tirar de vista qualquer vestígio de poluição ambiental não poderia simbolizar melhor o delírio dos governantes chineses. Quem são estes, aliás? No anonimato de seus ternos pretos, formam a Burocracia mais impenetrável do mundo.
Repete-se o delírio na hora de reduzir a poluição do ar. Baixam-se proibições de emergência -carros têm de respeitar um rodízio radical, indústrias são fechadas, há faixas especiais de circulação para os que visitarem Pequim nesses dias de jogos, e em tudo isso ficam transparentes algumas características típicas de todo regime totalitário.
Não que eu seja contra rodízios de carros. O problema, no caso, é que tudo é feito para as Olimpíadas, e não para melhorar a vida dos próprios habitantes. Com toda a benevolência da direita (que celebra a lucratividade do evento e a "modernidade" que chega finalmente à China), ocorre um processo bem stalinista.
A realidade é escondida à força, cria-se um mundo de fantasia cheio de slogans e sorrisos, e o regime tenta fazer com que um céu poluído fique azul a todo custo.
Até as favelas, ou seja lá que nome tradicional tenham em Pequim, foram arrasadas para a construção dos novos palácios da "modernidade".
Os moradores que tentaram resistir à remoção foram silenciados. Veja-se, sobre isso, o relatório da organização internacional Human Rights Watch na internet.
Ni Yulan, uma advogada de 47 anos que resolveu defender os removidos, foi atacada por uma dúzia de homens, espancada até perder a consciência, e está presa por resistir a determinações oficiais.
Isso, para glória da modernidade arquitetônica e da "perfeita organização" dos Jogos de Pequim. Sempre é perfeita, aliás, em eventos desse tipo. Foi perfeita até nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro.
Traficantes deixaram de queimar pessoas vivas, milícias deixaram de torturar suspeitos.
Depois, claro, tudo volta ao normal. Interessa passar uma "boa imagem" para o mundo. E que interessa o destino de Ni Yulan? Precisamos saber se determinado atleta búlgaro do salto com vara vai superar em 0,01 milímetro o recorde de quatro anos atrás.

coelhofsp@uol.com.br

domingo, 3 de agosto de 2008

Manifesto Disarmed antiafeto!

Nos últimos dias uma palavra vem rondando a minha mente. E o nome dela é afeto.
Buscando, agrupando e tentando entender coisas, pessoas e comportamentos que me incomodam, inclusive em mim, cheguei à conclusão: não suporto afetação.
E afetação nada mais é que passar da conta: amar demais, beber, rir, sair, ler, ser inteligente, ser burro, infantil, sério, work (aholic), vagabundo, fumar, ir à igreja, à escola, ao cinema, teatro, balada, biblioteca, padaria...tudo demais.
Eu não aguento (já sem trema).
Continuando a lista de exemplos: querer escrever certo demais, ser atual demais.
Pois também, em algumas ou muitas situações, faço parte do clube dos afetados.
Mas que é chato, é.
Os fãs de Madonna que o digam. E os dos Beatles? Do Batman, de Stars Wars (estes não entendo mesmo). Os de Marina? (estes tento entender o tempo todo, inclusive agora).
Lá vem ela falar de igreja. Lá vem ele falar que tem que devorar um livro por dia. Lá vem ele: o rato de academia. Lá vem o da balada, o do teatro, o da tv, o do cinema. E cada um para amar tanto algo acaba tendo que odiar o outro algo. Ai que cansativo! Doído e trabalhoso para si mesmo. Quem quer ser modernoso não vai ao teatro e quem ama o teatro nem liga a tv. Este já nåo acredita em nada que não frequente seu Planeta Tela. E agora arrasando em todas os lares, oficina e salas de espera de aeroportos: a tela do computador para a qual olho neste exato momento, substituta da outra, mas que reproduz tudo, só que editado, de todas as telinhas e telonas.
Sabe aquela pessoa que berra quando você chega como se fosse o Maichael Jackson aentrando um ambiente? Aí a festa inteira volta o olhar para a sua pessoa naquele momento leve-insegurança-de-não-saber-quem-te-aguarda-no-ambiente-estranho. Mas você não é o Michael. Decepção total da galera. Ai, tenho sincero medo destas pessoas. Ou deste comportamento em uma pessoa.
Gente caindo de bêbada, aquele maconheiro convicto que prega seu vício como um pastor evangélico (ou católico agora) daqueles mais cegos e covictos. Nada pior. E nada contra o ato: cada um com seu Free, mas sem querer aprisionar ninguém, please.
Quer dizer, algo contra sim: religioso dizer que camisinha não evita o vírus da AIDS e só a castidade pode nos salvar é quase um ato afeto-genocida. Todo mundo aqui sabe que na hora H é melhor, mais prudente e seguro ter a auréola na carteira, já que a da cabeça passa a não funcionar nestes momentos.
E intelectual afetado? Ai, senta na mesa e quer que quer provar que sabe e leu isso e aquilo. Um discurso cheio de "mente". Francamente! Carentemente deficiente, heim? Sei que você mente!
E burro afetado? Convicto de que ser medíocre é maravilhoso. Nem sei o que é pior.
Tem aquele que só vence, sonho não realizado de toda uma população que transfere toda esta fúria para o outro, em forma de euforia. Esse quando perde, coitado! Carrega a frustação de tal população toda nas costas. Mas não tenho dó porque o próprio vive falando que prata e bronze não servem. Que viva correndo atrás do ouro, então!
O fato é que a vida de ninguém é um "peixinho" (aquele se jogar de peito e alma no chão da quadra de vôlei) deslizando sob holofotes, como a vida editada quer mostrar. Um Prozac. Quer ficar feliz? Olha o peixinho! Todo mundo bonito, rico, vencedor, sarado, com 2m de altura e a favor da honra nacional.
São pessoas que fazem de uma casa, uma viagem, um filme, um programa, uma trepada o lugar mais maravilhoso do mundo e inatingível para o outro que a escuta. Ou finge escutar. Só para se vender como especial, forçar a amizade. Uma forma de conquistar algum amor que tanto lhe falta.

Nossa! Que coleção de situações comuns! Que rotina, isso é em todo lugar: a vida virou um folder, uma campanha política, um varejo, uma apresentação em Power Point de um software-salvação que acabou de chegar ao mercado, uma mega influência da estética de Hans Donner e Falabelas.

Uma bomba, que urge ser desarmada. Até porque quando tudo isso é sabido, fica um joguinho meio sem graça: tolinho como velhinhos jogando carta.

Mas é melhor ficar por aqui. Escrever sobre este assunto já está mexendo com o meu afeto. E o que não quero é ser afetado, neste exato momento da minha vida.