quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Moscou, 2010.

A 1ª imagem que me lembro de ter visto em Moscou foi a de um adolescente no metrô voltando para casa com o seu material de hóquei sobre patins, com todo o orgulho que um atleta tem deste tipo de acessório.

O metrô da cidade é uma cidade submersa com milhões de transeuntes e destinos todos e variados. Só perde em tamanho para o de Tóquio. A língua do metrô, falada e escrita, é o russo. Monolíngue e só.

As pessoas são muitas e de aparência igual: rostos redondos e portes gigantes, olhos grandes e azuis. Louros e magros. Não bonitos. Nem feios. É muita gente num lugar só. É muita gente parecida num lugar só. Tem gente que acha orientais parecidos fisicamente. Eu nunca achei. Agora acho isso dos russos.

Um país só. Uma língua só. A tal cortina de ferro mais os separou do mundo que o mundo deles.

Estações lindas fechadas em art-déco e lustres antigos iluminando, balançando levemente com o vento frio que vem de fora e puxando os poucos olhares que não têm tanta pressa.

E pressa é a lei da cidade que é a São Paulo deles. Sem tirar nem por.

São Paulo em russo, inclusive no nome das estações com aquele alfabeto que para nós não faz o menor sentido.

Depois de algum tempo percebi que o som tem algo de familiar e pode nos ajudar em alguma orientação.

Já na superfície um micro-ônibus no estilo boliviano aguardava passageiros. 333: estava na lista de possibilidades. Lá dentro, só russo. Fala, direção. Um milagre para encontrar um hotel que, na reserva tinha um nome, e na sua fachada, em letras não familiares, parecia um outro lugar.

A música, as pessoas, o motorista, o ônibus velho: faixas de fita crepe no vidro para tapar o sol. Tudo fazia parte da viagem, era o que se buscava.
O medo de não se achar também.
Ver um monumento gigante com um homem de bronze segurando um martelo e uma mulher ao lado segurando a foice. Força, imponência que me atraem os olhos e os fazem brilhar. É a União Soviética velha de Guerra! Autêntica, forte, olímpica, pesada, cinza. Bela e bélica.

Um trânsito absurdo, carros potentes misturados a Ladas que são fuscas. Sem buzinas. Aquilo ali é o que tem para todo dia em uma cidade de 10,5 milhões de habitantes. Fumaça alimentando o amargor que agora tenho na ponta da língua. É, eu tenho um amargor na ponta da língua. Pode até ser que sempre tive, mas hoje ele se manifesta com a presença de fumaça, inclusive a de Moscou, que nao é pouca.

Lenins, estrelas em grandes monumentos apareciam. E estes eram esnobados, no mesmo espaço onde estavam fincados, por feiras, mercados ou qualquer algo que se pareça com estes novos camelódromos presentes em centros urbanos. Vende-se tudo, a alma se vende e é na cara do Lenin, debaixo de seus ombros.

Qualquer porta que se entra sob um grande monumento, o mundo se abre para um grande mercado de comidas, bugigangas, eletrônicos e o diabo a quatro do consumo invadindo todos os sentimentos.

A verdade é que Moscou virou uma grande feira.

A beleza conservada da Praça Vermelha e sua Catedral de Sto. Ignácio está lá para sugar boquiabertos. Um gosto quase duvidoso com efeito paralizante. Os Museus do Kremlin prenden lindas catedrais ortodoxas brancas com cúpulas em forma de gotas douradas, estas de uma beleza inquestionável. E outras delas vão surgindo entre a cidade gigante, de gigantes. E são impressionantemente muitos, o tempo todo.

Eles carregam uma estética estranha aos ocidentais. Parecem que ainda estão uniformizados, mas querem se soltar. Jovens são os primeiros a exigirem calças muito apertadas e/ou caindo como as nossas, cabelos estilosos, tênis universais.
Um quarteirão só com grandes marcas passeia pela cidade. O diabo do consumo veste Prada também em Moscou.
Vi a cidade do alto de uma roda gigante, mas longe do centro. Acho que o mundo Kremlin não gosta muito se ser visto de cima, gosta é de olhar de cima.
Tudo passa depressa. Carros, metrô. pessoas te empurram, te atropelam. Há os que têm intolerância a estrangeiros, a turistas, a este novo mundo que eles vivem nas últimas 2 décadas.

Penso em uma conversa imaginária, sobre a Rússia, entre uma pessoa da época dos czares, uma da época do socialismo e uma do pós-socialismo capitalista. Falando de um mesmo país sobre o que uma época deixou para a outra além de igrejas, palácios e monumentos. O que está implantado no coletivo daquela gente com tanta pressa e tanto cinza. E a cor berrante de casacos azuis ou pink sobre o que é uniforme. Pra onde e para quem estas cores gritam?

E pra onde vão ou para onde vamos transformando o mundo todo neste imenso mercado?

A última imagem que vi em Moscou, no aeroporto, era de um atleta adulto, louro, despachando seu equipamento de hóquei sobre patins, com o orgulho inerente que atletas têm de seus equipamentos. Para mim ele era o menino que estava no metrô. E havia crescido.