quarta-feira, 27 de maio de 2020

Conto de mãe e filho

_Mãe, minha máscara é de pimenta. _Então tem que tomar muito cuidado pra não ir no olho, filho!

A-lock!

Ex-pressão. (Estou fisicamente preso em um apartamento, mas meus pensamentos saem pra passear.) A-lock! Ontem descobri quem criou o coronavírius. Foi o Alok! Não se assustem, por favor. Quem espalhou foi mesmo o Bolsonaro, mas quem criou foi o Alok. Deu pra ver na live dele. Cenário: prédios de 50 andares com apartamentos de 3 pavimentos cada. Lembrei de uma obra-anúncio que vi em uma Bienal de SP. Era apenas um recorte de jornal com a chamada: apartamentos com 6 vagas de garagem. Genial! Tinha tudo pra ser muito rico e chique (e brega) se não fosse a vista para um esgotão a céu aberto, que já foi um rio. Então, para o cheiro do esgoto não atrapalhar a live ou a life da turma do condomínio, o Alok pensou na solução PER-FEI-TA: coronavírus, cujo sintoma seria tirar o olfato das pessoas. E se isso não resolvesse, faria a pessoa parar de respirar. Uma catinga, fedô, olofô daqueles não podia atrapalhar o set do Alok. Tinha que ser uma palavra mais anglicanizada. O cabelo tava ok, a roupa tava ok, a make tava ok, a namorada ok. Todas essas coisas. Só faltou checar se estava tudo no mesmo nível da Ivete. Mainstreeam é mainstream! Espero que enviem um gráfico comparativo em breve. Lembrei de uma evento que tentei ajudar a construir uma triste vez, para uma expoente marca destruidora do planeta. Foi tudo muito pensado: decoração, chef de cozinha, dj, só que esqueceram que ali do lado (ali do lado!!!) tinha um canal de esgoto escondido por trás de umas árvores. (Tamponado que fala,né?) Foi dando meio-dia e o solão apertando e aquele cheirão subindo. Claro que todos os convidados muito educados e chiques continuaram saboreando tudo com lindos looks, naturalmente. Engoliram tudo com aquele fedô engraçado e irônico. Mas não se assustem mais: a culpa não foi do Alok. Ele não tinha imaginado que parar de ter olfato e respirar causasse tantas mortes. Ontem ouvi uma linda frase que me soou como música. Dizia que o real não se imagina. Era referente ao real do coronavírus. Só que foi em um congresso de psicanálise. Então, mais uma vez, não se assuste. Esta é uma obra de ficção, como a forma que passamos pela vida. A realidade tem estrutura de ficção, disse Lacan. (Você pode muito bem não pensar em nada disso e achar que esta cena é apenas o sucesso.) Mas o real, que é outra coisa, dá as suas caras. Às vezes em forma de esgoto. Às vezes em forma de coronavírus. Há outras que a gente nem imagina.Tratemos! *Tudo isso porque ontem à noite recebi uma mensagem assim no grupo dos primos: "Tem psicólogo no grupo? Cheguei ao fundo do poço. Ao que tudo indica, vou ver uma live dum camarada que chama Aloque. Mas parece que o rapaz não canta nem toca. Oncotô?" Fui ver quem é e deu nisso. Valeu, Mário! Qualquer coisa, você me defende.

NAUNTERITÊ

Não ter que ir a bares para beber. Não ter que ir a restaurantes para comer. Não ter que ver "stories" animadinhos enquanto ficar em casa está pleno. Não ter que ir a igrejas para ser espiritualizado. Não ter que torcer pra time nenhum. Não ter que ir a eventos por obrigação. Não ter que ir a encontros de aniversário quando não se está a fim de ver ninguém. Não ter que participar de reuniões presenciais quando as virtuais resolvem até melhor. Não ter que arrumar a casa tendo algo melhor ou nada pra fazer. Não ter tanta pressa para entregar um trabalho. Não ter pressa para ler um livro ou um texto. Não ter que ver a série da moda. Não ter problemas com ver tv para apenas se distrair de "tanta coisa ruim acontecendo". Não ter que ver "o" filme na telona. Não ter que comprar roupas por não ter onde nem a quem mostrar. Não ter que estar em dia com a última tecnologia de nada. Não gastar quase nenhum combustível nem vale-transporte. Não ter que chamar uber. Não ter que dar um, dois ou três beijinhos. Nem beijões. Não ter que apertar mão melada. Não ter que malhar a não ser que seja para manter a saúde. Não ter que ser presente nem presencial. Não ter medo de falhar. Não ter que nada. Ter que lavar as mãos sem parar. Ter que passar álcool em tudo. Ter que ficar em casa, querendo ou não. Ter que aprender umas tecnologias por obrigação. Ter que ver um tanto de vídeo, memes e matérias que não paramos de mandar uns para os outros. Ter que aprender umas tarefas domésticas por obrigação. Ter que lavar banheiro, tirar poeira e passar pano no chão. Ter que descobrir receitas (de vida, inclusive) diferentinhas. Ter que ser obrigado a bater panela por ser a única forma não virtual de manifestação possível contra o fascismo. Ter que continuar a pagar os "boleto" que não param de ter que chegar. Ter medo de pôr a cara no sol. Ter medo de ir ao supermercado. Ter o supermercado como programa. Ter que fazer sessões de análise on-line. Ter bastante medo das incertezas. Ter medo de ficar doente. Ter medo de alguém morrer sabendo que muitos alguéns estão morrendo. Ter medo de alguém ser alguém próximo. Ter medo de sofrer. Ter medo de morrer.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Uma garota chamada

Assisti ao filme "Uma Garota Chamada Marina" no cinema. Fiz questão de ver na telona. Saí tão impressionado com aquela história (que sei de cor) que resolvi escrever um pouco sobre o assunto. Nascemos e caímos, querendo ou não, no campo do Outro. Um Outro que nos conduz e nos traz comandos de como ser isso ou aquilo, certo e errado, bem e mal, sucedido ou não. Parece que ter uma carreira de sucesso, ganhar um dinheiro, comprar um ap, viajar o mundo são receitas de felicidade e caminho comum das pessoas bem-sucedidas. Mas...e o que a linguagem não consegue traduzir nem dar conta, isso que a psicanálise chama de Real? E o sujeito? O desejo, aquele que também não há palavra que traduza? Marina tem na voz o instrumento de todas essas conquistas citadas anteriormente. Tem a sedução ali. Todos se encantam. "E essa voz que Deus me deu."Claro que, além da voz, outros atributos se juntam. Mas é a voz que cumpre a função fálica da mal-sucedida tentativa de completude do outro, do desejo do outro. Como deve ser bom! Ser muito craque porque Deus deu. Atravessar o mundo, a vivência, a experiência de estar aqui sem pagar ingresso de entrada nem impostos. Pensamos e suspiramos nós simples mortais. Só que não. Onde se escondeu um sujeito único, faltoso e, por isso, desejoso por trás daquela voz? Onde se escondeu alguém que é muito mais do que a grande cantora ou o maior sucesso de um mercado? O que esta maior cantora tem de peculiar em relação a outra maior cantora? Às vezes é preciso matar o pai para se aproveitar dele, como já nos ensinou o gênio Lacan. Às vezes é preciso matar o que nos é mais caro para que o sujeito seja do seu jeito. Mesmo que isso custe muito, doa muito, leve muito tempo (tempo lógico, claro!). Uma voz não deveria poder tamponar um sujeito. Nem fama, dinheiro, sucesso. Nem excesso ou falta de "amor" de um outro. Nem compras nem remédios nem profissão. Desejo é um caminho muito árduo. Nem de longe é o mais fácil. Marina diz no filme: "tentaram me cristalizar" fazendo referência ao Cristo Redentor. E o nome dela está lá mesmo, não no Corcovado, mas em um hotel fazendo parte de uma das paisagens mais fotografadas. Até hoje. Mesmo que o Hotel Marina não se acenda mais, a marca, o registro fica de alguma forma. Resta. E o sujeito encontra sua saída. Às vezes é preciso ser vira-lata para quem tem algo de vira-lata. É preciso sair na multidão de São Paulo, pegar o metrô, gritar keep walking no meio da Paulista. Ser nada. Nada para ninguém. Esvaziar-se do outro e, paradoxalmente, encher-se de outros outros. Outros mais vazios de sentido, outros sem tanto afeto, afetação. Cair do palco e pular feito pipoca. O filme mostra com sabedoria este momento desta sujeita, que deixou de ser A cantora para viver e sobreviver. A cura, como a do queijo que falo, é uma alegria. A sorte (minha) é que vi isso acontecendo e participei de uma daqueles processos criativos da Marina. Trabalhando para e com ela, frequentando sua casa e estúdio montado lá, como mostra no filme. Vendo todo aquela fortaleza criativa e objetiva, que agora pode ser tocada pelo subjetivo, pela calma, pelo peculiar, por algo que não existe nos corações cristalizados pelo podre mundo mercado-lógico. Pelo feminino. Uma alegria isso! Alguns precisaram morrer, às vezes como sujeito, às vezes literalmente. Tem gente que está vivo biologicamente, mas já morreu simbolicamente. O filme nos mostra um caminho, o da Marina. Ela usa de seu arsenal de significantes para se impor perante um outro perverso, abusador, frio e calculista. Mas, por favor não se enganem, este caminho é único. Cada um que crie o seu roteiro nessa incrível fantasia que é viver. E não posso deixar de concluir deixando a mensagem: Marina não é uma cantora. Marina é um gênio. Foi bem melhor reexistir para Marina Lima.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Nós

Nada de nós sem nós. Ficou ali naquele imaginário do outro, compartilhado por um simbólico ordinário, comum e ordeiro, cordeiro, empobrecido. Algo que tem pena do outro e, ao mesmo tempo, goza com o seu sofrimento. O seu aí cabe muito bem, pois é seu e do outro ao mesmo tempo e a gente sabe disso. E cadê o real? Cadê aquilo que fez pulsar, fez ir, atravessar oceanos? Onde estava o sujeito? A sujeita. O que a sujeita tinha de único e lindo a dizer para além dos clichês? Para além no sentido de trans, que é o significado da palavra. Ficou ali, na mesma. Cis: do mesmo lado de sempre. Quando iremos além? A partir de quando começaremos esta viagem? Precisaremos nos matar quantas vezes mais, inclusive de vergonha e constrangimento? Isso: faltaram nós. Faltou nós. Cada um de nós.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Mas

Natal é bem chato, mas tem essa coisa boa do encontro. E, ah, aquela pessoa é insuportável, mas sabe que me surpreendi com a educação? E acaba que é uma ideia muito legal, mas foi meio mal executada. O trabalho agarrou numa bobagem, mas quando sair dessa tenho certeza de que vai dar certo. Nem vou falar de política, apesar de ser tão importante. Vou falar sim, não dá para beijar boca vazia de palavras. Tem gente que vive assim: só pelo olho. Capturado achando que captura. Dá pra engolir não. As pinturas nas laterais dos prédios da cidade estão ficando lindas, mas são empenas cegas: só enxergam os que querem ver. Mostrar a bunda de celulite é muito educativo, mas contratar abusador é muito desaviso. O abusador não tratou bem a bunda cheia de celulite. A música? Sei não. A gente acaba acostumando. Mas tem que beber bastante, que também enche. Bora de água de coco e açaí natural do Pará. Amor e amora. Há consenso: a Pablo Vittar canta muito mal, mas arrasta multidões para o seu canto. Que nem o Chico Buarque. Mas se você mora no Leblon, tudo bem. Só leva xingo de coxinha. E ainda dizem que não há um significante que determine o sujeito. Isso é enigmático, mas também pode ser outra coisa. Pode ser que seja a coisa. Aquilo que foi perdido lá bem no início. Que nem existe, mas a gente fica aí a procurar.

domingo, 12 de novembro de 2017

A penas

Não tenho vontade de sair. Não tenho forças, meu corpo dói, meu joelho berra. Quero falar, mas não tem ninguém que mereça a terefa de escutar. Quero enviar uma mensagem para a minha analista. Quero mais do que uma sessão de uma análise que já teve o seu fim. Não quero estar no Brasil, nem pensar. Não quero ser humano, está difícil defender a espécie. Quero distribuir o que não sei para aquele que não quer. Quero tratar do impossível, dizer o indizível. Quero o real bordejado com algo bem do interior, mineiro de preferência. Não quero notícias: dos portais, de doenças, de morte, do mercado, de famosos, do esporte. Quero o nada esvaziar. Descompleta-me. Quero parar de sentir vergonha do meu país e deixar as pessoas falarem o que bem desintendem. Não quero ouvir. Quero parar e seguir. E escrever o que não cessa de não se escrever. Quero a penas, escrever. Sob efeito de 2 dias consecutivos de Jornada do Aleph - Por que a psicanálise? Agora posso continuar.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Deixe Levar.

Deixe o capitalista tamponar a dor com bens. Deixe o sócio se apropriar de tudo. Deixe os políticos roubarem pra lá. Deixe os ratos. Deixe a polícia policiar. Deixe os ignorantes serem donos da verdade. Deixe os títulos para os titulares. Deixe os palestrantes exercerem a falta de talento nas festas de família. Deixe o publicitário mostrar sua pobre visão de vida na mesa de bar. Eles não têm outro lugar. Deixe o pai bravejar. Deixe a mãe pôr panos quentes. Deixe o pastor pastar. Deixe os juízes a julgar. Deixe a propina rolar. Deixe levar tudo. Deixe os ratos. Deixe pra lá. Deixe a desejar. E apenas deixe o seu desejo pulsar. Este ninguém pode levar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Em nome do Pai.

O velório foi enxuto: pouco tempo, as lágrimas na quantidade certa. A tristeza estava ali, mas não transbordou. Muita dor, pouco excesso. Muita lembrança e a sensação de que ainda era cedo. O morto era reservado até na hora da morte. Os filhos em volta eram 6. O sétimo faltou. Para que ele fosse enterrado, tivemos que seguir em carreata pela cidade tipicamente do interior, passando pela praça central, claro. Enquanto o corpo seguia em direção ao cemitério, o corpo do 7º filho, ainda vivo e caminhando, subia a rua principal da cidade, na direção contrária. Sem nem se dar conta de que quem agora ia fugir pra sempre era o próprio pai.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Tape #14

Vou confessar que vi a série 13 Reasons Why só para ler o texto com aviso de #SPOILER da Adriana Pinheiro, que não tem a opção Compartilhar. Hoje, pra mim, a ideia é pensar muito e não fechar, concluir. E falar muito, muito sobre as dores e assunto doídos, incluindo suicídio, sem se esquecer das delícias, claro! Daí já acho que vale a pena a produção, o tempo "gasto" vendo e justifica o sucesso. Quando vi que a "Kidly" falou sobre, pronto, era a amarração que faltava para me motivar. Me vi naquele ambiente colegial, mas eu era um ser dentro-fora (êxtimo). E isso era ok para mim. Tinha meus sérios treinos de vôlei, os amigos mais velhos e um pouco mais maduros, ou seja, já era também de uma balada fora dali. Sem deixar de ser dali, claro, de ser um estudante aplicado adolescendo. Adriana era popular, abusada, garota olimpíada, nitidamente mais madura do que a pirralhada (e mais alta). Convivia com os caras que eu odiava, que eram exatamente os mais populares e chamados por nome e sobrenome. Adriana me chamava assim: AHMED HAMDAN. E isso para mim era bem importante e me dava mais segurança. No mais era o vôlei, os estudos (que sempre curti e continuo) e as baladas (que sempre curti e...). E pra que mesmo este relato? Ah...é minha fita passando, como diz o clichê, após ter passado a segundona de feriado na tarefa. Enfim, bora falar? Bora falar sobre suicídio, angústia, dor, tesão, conflito e, claro, muita bobagem? Acho que é assim que algo do intraduzível pode se transformar em palavra e, quem sabe, até impedir uma passagem ao ato. Quem sabe até acessar algo ali próximo do desejo, este real que nos assola e do qual temos pouquíssimo ou nenhum sinal de conhecimento. Desvendar, entender, compreender, representar? Ouvi falar por aí que é do campo do impossível.