segunda-feira, 25 de junho de 2012

Nós, idiotas. (A experiência de 7 horas em uma peça de teatro.)

"Todo mundo" ri, acha demais, coisa-de-gente-à-tôa, sacanagem da organização do evento, modismo e o diabo-a-4. Comprei ingresso para assistir à peça "O Idiota". Adaptação do livro homônimo de Fiódor Dostoiévski, escritor russo do século 19 pelo qual tenho profunda admiração, adoro a leitura e que me faz delirar com estas características próprias de nós humanos. Claro que só descobri a duração da peça um tempo depois de comprar o ingresso. Como reservar 7 horas da vida ocidental corrida para uma peça de teatro? No sábado? E o trabalho que não foi terminado? E a cerveja? E os amigos? E o fim de semana que se vai? O evento se inicia às 19 horas? E a outra peça de 23h que comprei achando que o intervalo de tempo era mais que suficiente? E o show que foi marcado exatamente no momento central desta peça? Ah...vou assistir às 2 primeiras horas e vou vazar pro show. Tá bom demais! 19h: o espetáculo vai começar no Espaço 104, Praça da Estação, Belo horizonte, 23 de junho de 2012. Fila, ingressos esgotados, pessoas em uma fila paralela loucas-querendo. 19h15: o espetáculo ainda não começou. 19h30: começou. Personagens enconstados na parede sobre caixotes. São seus camarins. Escrevem seus próprios nomes das próximas 7 horas logo acima de si, na parede. Trocam de roupa. Conversam com a gente.Cantam. 20h: vamos para a estação de trem. Vamos a São Petersburgo. Eu, pela segunda vez. (rsrsrsrsrs;). O público se senta entremeado pelos atores que balançam seus corpos com o "movimento"do trem e começam a contar a história de um príncipe pobre que sai de um tratamento de eplepsia na Suíça e vai em busca de uma prima nobre na Rússia. Chegamos a Saint Petersburg. Correria para sair do trem. Vamos para fora do espaço 104. Mas ali não é a Pç. da Estação de BH? Não. A placa na parede nos indica que estamos na Rua Sadóvaia. Estamos mesmo na Rússia. O príncipe toca a campainha na casa da nobre prima distante Lisavieta. Ele convence o empregado a deixá-lo entrar. Somo convidados a entrar juntos. Ele deve esperar em uma cozinha. Lá, atrás de um grande balcão, os atores picam cebola, tomate, salsinha, cortam o peixe: comidas reais com seus cheiros e efeitos. Na próxima cena, somos convidados a mudar de espaço e passamos por uma cozinha real, onde funcionários, também reais, cozinham. Será quem vai jantar? Nós??? O Príncipe Míchkin é apresentado à dona da casa. Uma mesa gigante é simulada no chão por meio de um forro imaginário com uma trama muito detalhada, feito com sal (ou açúcar). A plateia se senta em volta. Alguns desavisados pisam na mesa e chamar a atenção deles para que saiam de cima, vejam onde pisam e reconheçam melhor o espaço em que se encontram faz parte da temática. Em um determinado momento destes citados, o funcionário da casa pergunta ao príncipe se ele tem tempo para esperar, já que esta espera pode demorar bastante. E ele responde: "Tenho, sim. O meu tempo é totalmente meu." Esta frase silenciou o meu relógio. E aí aconteceu uma festa com espumante e brinde de todos, com a exata sensação de ter sido transportado para outro tempo-espaço. Teve intervalo com o "jantar" que realmente estava sendo feito para nós. Houve a cena da mimada e inteligente personagem Aglaia, filha de Lisavieta e apaixonada pelo príncipe pobre, correndo, abrindo o grande portão do lugar, fugindo e atravessando a rua. Um carro passa logo em seguida, quase por cima dela, mas isso na vida real. Houve um texto mágico, encenações absurdas com cenários inteligentes, iluminação e música envolventes, atores maravilhosos e presos, no bom sentido e no momento certo, em seus personagens. Não houve outros compromissos. Perdi-os. E daí? Quem disse que perder é tão ruim? Quem disse que não pode? Este não vive. Neste tempo, ao menos. Não tem tempo. Está sempre fazendo algo que não está no presente. Nunca está ali. Está nem aí. Tem compromissos demais e, por isso, não se vê e ninguém o vê se dedicando a nenhum deles. Foge sempre para outro. E está constantemente sendo atropelado. Relógio: 2h30 da manhã. 7 horas de encenação. Teve um tempo que foi totalmente meu. Quero que isso aconteça sempre. Na vida real. Não só em um festival de teatro. Não só de vez em quando. Não só no fim de semana. Não só nas férias. Não apenas em um trabalho, mas em todos. Sempre. E dá tempo. Este tempo é completamente meu.

8 comentários:

Rui disse...

Excelente relato, belo texto e uma conclusão pra emocionar.

Adriana disse...

Ai, Trem. Te amo.To até chorando por aqui. Beijo, Dri

Anônimo disse...

Queria ter ido nessa peça.Seria um rol de sensações.Muito bom relato.Lindo. Que tempo mesmo é esse, afinal?
Valeu!Roger.

Ahmed Hamdan disse...

Ô gente linda essa minha! Amo vocês tb!

leticia disse...

Que lindo isso!!! Viva o bom teatro e os bons textos!!! beijo pra você Ahmed.

Anônimo disse...

Ahmed, valeu demais este tempo todo.
Você ganhou tempo e nós ganhamos
um texto. E reflexão.
bjs. Luda

Ahmed Hamdan disse...

Obrigado, Letícia! Obrigado, Luda! Tenho que repetir: gente linda essa minha!

Anônimo disse...

"O tempo é uma invenção do Ocidente", Lina B. Bardi

Aminah